where is my mind?

Pessoas são ruins? São. Pessoas podem ser más? Podem. Eliel havia crescido num labirinto sem fim, com a sua mente fodida por inúmeros experimentos. Ele era uma arma, não é? Isso o fez se tornar esperto, capaz de matar uma pessoa com inúmeras formas, todas ensinadas ao garoto antes mesmo de ele aprender a escrever ou ler. Ele raramente saía de seu casulo, somente quando era preciso. Agora, com a sua vida nos X-Men, ele tinha a chance de fazer algo de bom, ser melhor. Ele estava aprendendo, claro, aos pouquinhos, mas aprendia. “Matar pessoas é errado”, lhe diziam, mas, com o tempo, ele foi ensinado que haviam pessoas que mereciam e que eram más – e ele devia exterminá-las. Sendo assim, foi bastante fácil para o nosso belo louquinho integrar a X-Force.

Atualmente, o garoto se encontra numa instalação subterrânea, lendo um livro e sentado no capô do carro que havia usado para ir dirigindo até uma cidade longínqua. Sua missão? Salvar um grupo de crianças mutantes sequestradas por uma seita religiosa. Claro, os X-Men não podiam se arriscar, eles eram violentos e a prisão não era algo que funcionava – o líder daquele culto era o próprio delegado, e seus membros eram ricos e influentes. Sendo assim, coube ao X-Force lidar e eliminar a ameaça. Isso era bom. Enquanto pensava no bem que havia feito, eis que Eliel se vê surpreso com uma presença fantasmagórica.

— CARALHO GASPARZINHO! — grita o jovem, quase derrubando o MacLanche Feliz do colo e então ficando sentado um pouco mais ereto no capô do carro. Eliel põe a mão no peito, rindo. — Ah, é só você, Ethan. — Comentou o rapaz rindo. — E aí, viado, fazendo o quê por aqui? — dando mais algumas mordidas nas batatas fritas, ofertou-as ao ruivo.

Ethan era um dos poucos no instituto a ser realmente paciente com a burrice de Eliel. Ele tentava não falar em voz alta, afinal ele não queria parecer vulnerável, mas ele estava perdido fora da sua jaula. Ele não sabia ler nem escrever, não sabia absolutamente nada do mundo aqui fora e a única coisa que ele tinha ciência era como matar pessoas. Nada de tecnologia, gírias, memes, amizades ou internet; era apenas um garoto-arma, cuja finalidade fora encerrada e agora ele precisava aprender a como viver de verdade. Como um membro da X-Force, Sundfør ainda matava pessoas a mando de um chefe, porém por um propósito maior: a salvação da humanidade e dos mutantes.

— Bem, eu só estou pensando sobre a minha última missão, sabe? Sobre como as coisas mudaram tanto, mas ao mesmo tempo continuam iguais. Digo, sou grato pela oportunidade e por ter um teto, comida e aqueles troços pequenos e brilhantes. — O garoto se referia aos telefones celulares.

Ethan era gentil, parecia dedicado a cuidar dos outros amigos mutantes e os liderava com afinco e generosidade. Era isso o que um pai fazia, não era? Eliel não poderia afirmar nada, pois ele nunca havia tido um para saber como era a sensação. O professor lhe chamava para passear e, assentindo fechou seu lanche e deu um pulo do veículo, tomando seu milk-shake enquanto balançava seu boneco.

— Olha, ganhei um Pekaxuxu… é assim que fala, não é? — riu Eliel, balançando o boneco, mas ao ver que ele não servia para nada, estendeu ao outro. — Toma, ele não serve para nada. — Lamentou o rapaz. Ele não soltava raios nem eletrocutava pessoas, então não havia serventia. O conceito de decorativo não existia para o ex-espião.

Acompanhando o ruivo, o olhou de soslaio. Por que ele era tão gentil? O que ele ganhava com isso? Curioso, Eliel ponderou sobre o que iria perguntar.

— Professor… o que você ganha com tudo isso? Digo, o instituto? Você fala tanto sobre os mutantes que eu fico me perguntando quem lhe ensinou a gostar eles tanto assim. O que te move? — perguntou Eliel, puxando um pouco do líquido açucarado com preguiça.

A maioria das informações eram tidas como valiosas para Eliel, que as guardava num enorme baú localizado em sua memória. Dos detalhes mais úteis aos mais bobos, tudo para Sundfør era como um prato cheio, cada coisinha comida com gosto pelo ávido e curioso assassino mirim. Para o mutante, o mundo era um lugar desconhecido e perigoso, porém subestimado na maior parte do tempo. As pessoas julgavam ele como um lugar ruim e terrível, reclamavam e se irritavam a toa, mas hei, só tínhamos esse mundo, para onde iríamos? Era sempre o que o moreno falava para si mesmo quando via as pessoas reclamarem. Em suma, sua vida num cubículo subterrâneo o fez apreciar a vida como muitos não conseguem fazê-lo.

Enquanto seguia Ethan com os braços ocupados com comida, o manipulador de som assentiu sobre o tal de “anime” ser visto por ambos. Parecia ser divertido, então por que não? Seu amigo parecia ser bastante inteligente, ele tinha experiência com os mutantes e ensinava cada um deles a controlar os seus poderes e a ajudar a humanidade. A única coisa triste nisso tudo era que os humanos continuavam a odiar os mutantes com todas as forças. Não fazia sentido os X-Men se arriscarem tanto para salvar aqueles que o odiavam. Apesar disso tudo, todos eram muito unidos e fazia com que Eliel se sentisse abrigado, em casa e em segurança. Pela primeira vez, ele tinha um lar.

Sendo levitado, Sundfør arregalou os olhos e apenas ouviu ao que o outro falava, enquanto terminava de comer. Foi então que, com a maior naturalidade do mundo, Ethan designa o Eliel como aluno da Academia X. Um pedaço do sanduíche caiu no chão, a boca entreaberta e os olhos imóveis. O que aquilo significava para ele? Não seria mais necessário salvar as pessoas?


— E os mutantes lá fora? Tem muitos deles que precisam ser salvos, e há muitas pessoas ruins que precisam serem exterminadas. Não posso simplesmente dar as costas e ser um aluno. — Reclamando, Eliel largou sua comida e então aproximou-se do ruivo. — Eu sei que eu não sou tão inteligente quanto os outros, mas eu sei matar, eu posso matar quantas pessoas quiser, desde que sejam más e mereçam. Eu só… não quero ser um inútil, por favor.

O maior de medo de Eliel, desde que vivia numa jaula localizada quilômetros abaixo do solo, era sempre esse: ser esquecido, ser inútil e desativado. Ele sempre precisava evoluir no uso de seus poderes, precisava ser ótimo com armas brancas de todos os tipos, precisava ser sempre vitorioso em suas missões – falhar significava ser “desligado” do programa ou então passar dias e meses sem ver sua irmã, o que podia ser pior do que a morte. Agora, como um mero aluno, Sundfør seria só mais um qualquer tentando aprender coisas que ele sequer compreendia.

O que seu amigo falava era verdade, não era? Ele precisava aprender melhor sobre como as coisas funcionavam. Ele não podia ser um ignorante para com o próprio mundo no qual ele vivia. O medo do moreno era não conseguir se adaptar: a possibilidade dele ser melhor como um escravo preso do que como um mutante livre e dono de si mesmo. Seu principal receio era em cair na inabilidade de tomar suas próprias decisões. Afinal, como ele poderia diferenciar o certo do errado? Ethan era gentil, lhe ofertava uma chance de melhorar e, terminando suas batatas fritas, Eliel sorriu ainda timidamente, abraçando o outro com força.

— Eu não vou te decepcionar, eu prometo. E eu quero assistir Pokamun depois, parece ser bem divertido! — falou o rapaz de olhos escuros com felicidade surgindo em seu coração, brotando como uma flor na primavera. — E eu quero sim fazer a ronda, tem muitas pessoas precisando da nossa ajuda, incluindo mutantes e humanos. E gatos, eu gosto de gatos.

A verdade era que Eliel nunca havia tido amigos. Em sua prisão, ele tinha apenas a companhia de sua irmã mais velha – isso quando permitiam que os dois ficassem próximos –, então tudo no mundo era uma novidade, desde coisas simples como desenhos e costumes humanos a até coisas maiores e mais significativas, como a amizade e a sua própria sexualidade e ética. As linhas estavam borradas para o rapaz desde a sua mais tenra idade, então endireitar os seus caminhos para se adequar aos trilhos era muito difícil. Levando-os para fora do terraço com seus poderes, o mutante sorriu diante da exibição das habilidades do ruivo. Era sempre divertido vê-lo levitando coisas e pessoas. O clima de amizade prosseguia entre os dois, entretanto uma voz soou em sua cabeça.

Olhando para todas as direções, Eliel procurou avidamente pela voz, até notar que ela vinha da mente de Ethan, fazendo-o perder um pouco do seu bom-humor. Poucas coisas costumavam estressar Sundfør, que cresceu acostumado a ser muito passivo e submisso aos seus “donos”, entretanto, invasão de privacidade costumava deixa-lo irritado. No seu primeiro dia na academia X, ele quase quebrou o braço de um rapaz quando ele tentou abraça-lo para forçar intimidade. Até hoje Robert o ignora e lhe olha atravessado, sem compreender que para o manipulador de sons aquilo – um mero abraço – era quase uma agressão.

— Eu confio em você, desde que não entre mais na minha cabeça. — Respondeu Eliel um pouco frustrado, fechando as mãos em punho e andando lado a lado com o ruivo. Ele nunca conseguiria se acostumar com aquilo, e ele sequer tinha vontade de aprender a lidar com aquele tipo de intromissão. Já bastava toda uma vida de abusos psicológicos e manipulações mentais. As intenções de Grey eram boas, mas eles podiam apenas conversar normalmente. “Não é a minha intenção gritar, eu só... sou muito ansioso, então grito na minha mente o tempo inteiro” desculpou-se Sundfør ao falar em sua cabeça, esperando ser respondido e, quem sabe, compreendido.

Em seu caminho rumo aos dormitórios, eis que Eliel retira as mãos dos bolsos e suspira. A reunião podia se dar por encerrada por ali mesmo. Virando-se para o telepata, o esguio espião sorriu ainda tímido.

— Vou ir dormir, tenho aula amanhã, não é, professor? — comentou ironicamente o moreno, soltando uma de suas risadas frouxas e incontroláveis. — Mas se quiser, ainda está de pé assistirmos o desenho do Pikachu.

#Continua...