The only one I trust

A maior parte do tempo, Joshua era um adolescente comum. Bem, não exatamente um adolescente aos dezoito anos, mas tecnicamente ele ainda era um estudante e faltavam alguns meses para sua formatura. Ok, e não exatamente comum, já que Joshua era capaz de verter o corpo em chamas e controlá-las a seu bel-prazer.

É, basicamente, a vida de Joshua já não era normal fazia um bom tempo, mas ele fazia o possível para fingir que sim. Quer dizer, era certo que pessoas como ele estavam sendo consideradas um perigo à sociedade, mas se ele conseguisse omitir o fato de que era um mutante, então tudo ficaria bem, certo?

Obviamente que o problema não era só esse. Pois como se não bastasse ele ser um mutante, Archie também o era. Isso era ruim por um ponto e bom por outro. Ruim porque já era ruim fingir que tudo ia ficar bem por si mesmo, ainda precisava torcer para que nada de ruim acontecesse com Archie; e bom, pois podia contar com ele para tudo, inclusive para contar coisas que não podiam mais ser ditas pra mais ninguém.

Archie era mais do que seu namorado, era também o seu apoio se alguma coisa acontecesse. Mas nada ia acontecer, Joshua estava quase certo disso. Uns 60%, ele diria.

Era fim de semana e por isso Joshua não precisava se preocupar com aulas, mesmo que devesse estar tentando colocar em dia alguns estudos. Mas não ia pensar nisso, não quando sabia que Archie estava a caminho. Por isso jogou-se no sofá da sala de estar, assistindo qualquer coisa na tv até ouvir a campainha e correr até a porta.

— Hey, meu próprio carteiro particular! — riu assim que pôs os olhos no que Archie trazia nas mãos, percebendo os envelopes que o rapaz provavelmente havia coletado da caixa de correio. Sem cerimônias, segurou-o rapidamente pelo colarinho, tascando-me um selinho rápido antes de abrir espaço para que o louro entrasse — E aí, o que quer fazer? — perguntou enquanto trancava a porta atrás de si, sorrindo de canto ao perceber a ambiguidade da pergunta feita e complementando em seguida — Ah, minha mãe está na cozinha. Os boletos são todos para ela, não quero nenhum. — completou, cruzando os braços e mantendo o sorriso no rosto.

Archie era uma figura tão presente na casa de Joshua que era praticamente como se morasse ali. Bom, ele não teria problema nenhum se o louro passasse a dormir por lá também, mas provavelmente os pais não estavam naquele nível de liberdade para dar ao filho, então digamos que as coisas estavam bem do jeito que estavam. Para todos os efeitos, a vida continuava caminhando do jeito que Joshua gostaria que permanecesse.

Nem sempre era fácil, é claro. Nem nunca mais seria, desde a primeira vez em que descobriu as coisas que podia fazer. Ou quantas pessoas podia ferir, caso se descontrolasse. Talvez devesse estar mais preocupado em ter alguém para ajudá-lo a aprender a controlar seus poderes e evitar o pior, mas Joshua temia pelas coisas que aconteceriam caso deixasse aquilo vir à tona. Ele temia que a situação mudasse, e fosse irreversível. Nem toda mudança era boa e aquele definitivamente não seria uma.

Como ter Archie visitando-o aos fins de semana e pudesse passar um tempo a sós com ele. Ou sua mãe parecendo tranquila na cozinha, preparando o café da tarde e sem saber que o filho era um daqueles mutantes que o governo estava considerando um perigo à sociedade.

— Pode cobrar à vontade, contanto que não seja em dinheiro. — sorriu, bancando o sabichão, e lançando uma piscadela na direção de Archie enquanto se divertia com a brincadeira feita pelo outro. Poderia ter continuado na troca de palavras com duplo sentido o resto da tarde, mas Archie parecia mais interessado em falar sobre "aquele" outro assunto.

Foi inevitável que o semblante de Joshua se tornasse mais sério assim que se deu conta do que a pergunta sobre estar bem queria dizer, assim como o que ele dissera em seguida. A mãe de Joshua provavelmente entenderia bem a conversa de namorados que os dois costumavam ter, mas aquilo não. E foi o suficiente para que Joshua achasse melhor continuá-la em seu quarto, de preferência bem longe dos ouvidos da mãe.

— É, hm... vai ver foi só um problema na fiação, né? — falou, mais alto do que precisava, enquanto se levantava e seguia até Archie, esperando até que a mãe respondesse ao cumprimento do louro para puxá-lo pelo braço — Hey, Archie e eu vamos lá pra cima, ok? E relaxa, a porta vai ficar destrancada, viu? — sorriu de canto rapidamente, já seguindo com o louro escadas acima e esperando que ele entrasse em seu quarto para fechar a porta.

— Acho que precisamos de um pouco mais de cuidado ao abordar esse assunto, sabe? Não quero nem pensar se minha mãe desconfiar, já basta as coisas que acontecem as vezes por aqui e eu tenho que disfarçar e tal. — Joshua podia ter uma sorte dos diabos ou uma lábia muito boa para disfarçar as chamas que perdiam o controle algumas vezes. Principalmente por sempre ter sido capaz de amenizá-las sem danos, e nunca ninguém tê-lo visto fazendo aquilo. Ninguém além de Archie, pelo menos.

— Mas enfim... sei lá, às vezes parece que vai ser difícil de controlar. Acho que se eu fosse cabeça-quente ou tivesse problemas aqui ia ser bem mais difícil... talvez as coisas com o seu pai sejam o motivo pelas luzes? Porque eu sei que ele é um completo babaca com você e tal. — suspirou, encarando Archie com atenção enquanto pensava no que poderia fazer a respeito daquilo. Mas talvez aquilo fosse o máximo, por ora. Permitir que ele ficasse ali o máximo que pudesse, afim de esquecer da família de bosta que ele tinha.