Mistério na selva

Misterioso e reservado, Daniel não era de deixar qualquer um invadir seu espaço pessoal. Pouco se sabia sobre a vida do loiro, de forma que ele construíra para si uma fama de frio e inacessível, sendo que ele era mais humano e tinha um coração maior do que muitos poderiam sequer imaginar. Não era à toa que essa missão do Rei Branco e seu fiel Bispo Negro envolviam uma salvação. Uma garota mutante havia descoberto seus poderes e passou a atacar brutalmente os responsáveis por desmatamentos e abates de animais da selva brasileira. A Amazônia era um bom lugar para os dois e, determinado a salvá-la e, quem sabe, recrutar a menina, Frost tentou não mostrar seu lado vulnerável para Tony. Ninguém no Círculo Interno precisava saber que o rei deles tinha um coração.

Reclamando sobre o “trabalho mal feito” do loiro, Rivers vinha para dentro do aeroporto com uma característica expressão fechada e de poucos amigos. O que ele esperava? Que Daniel fosse se derreter de amores pelo Bispo Negro, leal ao maior inimigo de Frost, Marshall? Não mesmo. Todas as peças negras tinham que prestar contas ao Rei Negro e a Rainha Negra, e ambos não eram de confiança. Já com as passagens pagas, o telepata estendeu a passagem de Rivers e então permaneceu em silêncio ao passarem pelo detector de metais. Assim que já se encontravam no saguão de embarque, o loiro se voltou para o Bispo.

— Vamos para o Brasil. Vamos ter de percorrer muitos quilômetros até um vilarejo longe da civilização. Precisamos encontrar uma garota humana. Seus poderes são grandes demais para serem deixados à solta. — Tentando não soar como um membro dos X-Men, o loiro apenas deu de ombros enquanto iam rumo ao avião.

O que ele falava era verdade, no entanto: eles precisavam recrutar a garota. Ela reviveu áreas florestais desmatadas em segundos e conseguiu reunir um verdadeiro exército de animais que comeu diversos piratas e bandidos, assim como fazendeiros que haviam tomado as terras da menina e toda a sua tribo. Contando com a ingenuidade dela, Daniel planejava usá-la como uma parte essencial do Círculo Interno, que ainda não tinha nenhum com poderes relacionados a natureza. Quantos milhões ele não ganharia apenas “emprestando” a menina para os diversos fazendeiros e donos de terras associados ao Clube do Inferno?

Uma vez no avião, Daniel recostou-se e pôs a mão na coxa do outro criando um vínculo de intimidade que sequer existia. Ele sempre havia sido muito físico, aprendera com seu falecido esposo que criar uma ponte era essencial para manipular os outros e criar confiança.

— Pronto?

As perguntas de Anthony eram inconvenientes. Ele sempre havia recebido quantias suficientemente altas para mantê-lo de boca fechada, porém sua curiosidade parecia ter crescido. Quanto mais eu teria de pagá-lo para que ele ficasse quieto? Tocar, beijar, seduzir, até mesmo sorrir para homens bobos e pessoas interesseiras como o Bispo Negro me deixavam com nojo, cansaço mental e com dores no rosto – sentia que o esticava demais ao fingir sorrir. Mas tudo aquilo era necessário, eu havia batalhado muito até chegar ali, eu lutei mais do que qualquer um dos riquinhos ali no Clube do Inferno. Todos se resumiam a mimados privilegiados, menos eu; eu havia vindo das cinzas, eu construí a minha fama, acendi a fogueira e queimei todos os meus inimigos dela, renascendo como um diamante lapidado.

Eu havia dado tudo pelo trono.

— Você anda muito curioso, não é? — soergui as sobrancelhas chamando a sua atenção, porém com irritação presente em meu timbre sarcástico. — Eu quero recrutá-la para o Círculo Interno. Ela reergueu uma floresta em segundos, não acha que isso pode ser útil aos nossos propósitos? Eu acho que ela seria uma ótima adição ao nosso time, principalmente por causa do fato de que nove de dez membros de lá querem explodir o mundo com bombas nucleares para governarem os poucos sobreviventes. — Comentei com uma nota de ódio, deixando escapar um pouco das minhas emoções naquele instante. Era verdade aquilo, no entanto; haviam vários membros do Círculo Interno querendo destruir o mundo com bombas, outros querendo liberar vírus específicos no mundo, tudo no intuito de garantirem mais poder.

Eu não podia ficar de braços cruzados, precisava daquela garota e precisava dela urgentemente. Eu não podia contar com ninguém ali dentro, todos estavam contra mim e não me levavam a sério, seja por eu ser apenas bonito ou por ter conseguido meu assento por pura vantagem – afinal, com meu esposo morto foi fácil pegar seu cargo. Eu estava cansado de ser subestimado, de ser só o leitor de mentes e de ter de me provar merecedor. Eu precisava de planos, e rápido.


Chegamos bastante longe do nosso destino. Tivemos de percorrer muito chão e ficar em hotéis bastante desconfortáveis, dignos de zero estrelas, mas enfim chegamos à parte da mata profunda e densa da Amazônia. Haviam inúmeros animais à espreita e o homem que pagamos foi corajoso o suficiente para nos levar de barco. Ele falava no idioma natural dos brasileiros, enquanto isso Daniel ia lendo seus pensamentos e traduzindo-os para compreendê-lo. O rio era comprido, por vezes tínhamos de nos abaixar para nos desviarmos de galhos e víamos cobras aqui e ali, assim como jacarés – ou crocodilos, tanto faz, continuam assustadores.

Chegamos a tribo da garota muitas horas depois, já um pouco exauridos da comprida viagem e com o nosso “motorista” avisando que preferia ficar em seu barco esperando. Todos chamavam a garota de bruxa verde por causa de seus poderes, morriam de medo dela e até mesmo os animais a obedeciam, se voltando contra quem quer que se aproximasse da menina. “Bem, posso entrar na mente dela e convencê-la”, falei para mim mesmo enquanto seguia Anthony e prosseguíamos pela mata fechada. Enquanto avançávamos, parecia que o clima ia ficando mais estranho. Animais nos olhavam estranho, alguns macacos chegaram a quase jogar uma pedra em mim – que foi pega graças aos poderes de Rivers – e muitos rosnavam ameaçadoramente.

— Seja lá o que planeja fazer, não podemos machucá-la nem nada na floresta, nem mesmo os animais, está me entendendo? — adverti Tony. — Precisamos convencê-la a vir conosco pacificamente.

Foi então que eu parei diante de... uma enorme sucuri. Ela deveria ter cinco metros, no mínimo, possuía uma grossura maior que a de meu corpo e ela sibilava para nós ameaçadoramente. Ela parecia... faminta? Recuei alguns passos, minha mão estendendo para que Tony ficasse calmo.

— Nenhum movimento brusco.