[F] Base da X-Force 6/jan às 14:00 [L]

HEARTH is the strongest muscle

Respirei fundo pela décima ou décima primeira vez naquela tarde. Era a primeira vez, em muito tempo, que eu ia pessoalmente a um lugar para apresentar meu currículo e concorrer a uma vaga de emprego.

É, talvez fugir do domínio da X-Factor, me refugiar entre os Morlocks e me esgueirar nos cantos mais escuros de Nova York não tenha sido tão ruim. Claro, o medo constante e a horrível sensação de ser observado - mesmo depois de quase morrer arrancando o plug cerebral ainda instalado na minha nuca e, como consequência, perder boa parte das memórias de meu tempo como agente da temível Lady X - e os horrendos pesadelos que me assombravam todos os dias vieram como brinde.

Levei um susto ao chegar na recepção da base de operações da X-Force. Heather havia me prevenido sobre o fato da maioria dos agentes andar uniformizada ou caracterizada de acordo com sua função, mas dar de cara com Deadpool, uma lenda entre os militares e agentes do governo ao qual eu servia, era um tanto… Inusitado.

— É… Com licença? — apertei a pasta com meus documentos contra o peito, amassando um pouco a blusa de algodão preto. — Estou procurando o escritório de Luca, o chefe dessa organização. Acho que Heather entrou em contato com vocês, sou Raphael Strong…

— Ah, o “muro de pedra”, né? — Deadpool me interrompeu. Era quase agonizante não ver sua expressão por trás da máscara. Ou talvez fosse apenas meu nervosismo diante de toda aquela situação. — Senta aí, marombeiro, Luca vai te atender daqui a pouco.

Muro de pedra? Tudo bem que a agente da CIA tinha claramente um crush em mim e descobriu da pior maneira que eu olhava para a outra fruta do jardim, mas se referir à minha mutação daquela forma era um tanto… Intrigante.

Limpei qualquer sujeira da calça e me sentei na poltrona acolchoada na frente de onde teoricamente o anti-herói de vermelho deveria estar atendendo telefonemas e verificando e-mails, não jogando um simulador de tiros no celular de pernas cruzadas em cima da mesa.

Uma porta à direita dele se abriu e uma moça ruiva em trajes executivos sorriu para mim, me convidando para entrar. Arrumei a blusa de manga curta e me concentrei, decorando algumas respostas que havia ensaiado pouco antes de chegar ali. Eu precisava urgentemente daquele emprego, ou os agentes da X-Factor me achariam e levariam minha cabeça como lembrança para os líderes da organização.

— Boa tarde, sr. Khasser — cumprimentei a figura na gigantesca cadeira à minha frente.

HEARTH is the strongest muscle

Sabia que não seria fácil enfrentar logo o chefe da organização que me foi recomendada em uma entrevista de emprego. Heather havia me alertado sobre o alto nível de exigência daqueles caras, especialmente quando se tratava de um currículo com o meu, que infelizmente tinha a passagem pela X-Factor logo na primeira página.

Não me orgulhava de absolutamente nada do que havia feito, mesmo porque na maioria das vezes que Lady X e seus capatazes me mandavam em missões, controlavam minha mente e cerceavam minhas reações opostas aos horrores que presenciei.

Por um mero deslize - ou milagre, dependendo da religião de cada um -, o controle do governo sobre minha pessoa falhou, me permitindo escapar, mesmo que quase sem vida, das garras pegajosas da X-Factor.

Arrumei minha postura, um pouco desconfortável com o questionamento do líder da X-Force. Ele ainda achava que eu pertencia ao governo? Tudo bem, todos tinham o direito de expressar suas opiniões, não cabia a mim julga-los por isso.

— Senhor? — o encarei, confuso. — Se eu ainda estivesse sob o comando dessa organização horrível, faria o mesmo que fiz durante todos esses anos: Tentar escapar de suas garras. Jamais machucaria intencionalmente alguém, por mais que me forçassem a isso. Se você é realmente filho de dois mafiosos, sinto muito por isso. Nunca o capturaria ou deixaria que fizessem isso contigo. As consequências de minha "desobediência" seriam enfrentadas sem problema algum.

HEARTH is the strongest muscle

Os questionamentos do líder da X-Force eram legítimos. Pelo pouco que me foi informado, eu sabia que os agentes daquela organização não eram simplesmente guarda-costas dos líderes da Academia X ou soldados do governo com aprimoramentos.

Todos ali tratavam de assuntos mutantes, mantendo a ordem entre os humanos e os portadores do gene X, custe o que custar. Era justamente esse o diferencial que me fazia sentar diante de Luca Khasser, por recomendação de Heather. Um futuro muito melhor do que um fugitivo.

Apesar da intensa lavagem cerebral de Lady X e suas marionetes psicóticas, eles foram incapazes de tirar de mim a única coisa que me mantinha vivo: o senso de justiça. Observar todas as barbáries que fiz, sentir na pele o quão nojento era executar as ordens de meus superiores sem poder revidar ou fazer algo a respeito me enchia de vergonha.

Eu não queria apenas vingança por todo o tempo de manipulações. Queria mostrar o quão burros eles foram ao achar que eu me curvaria eternamente aos seus comandos.

Juntar-me a uma equipe como a X-Force, para lutar não contra, mas a favor dos mutantes - ainda que, para isso, força bruta fosse necessária - não era mais algo inalcançável, uma vez que eu estava ali, naquela entrevista.

— Quando Heather me indicou sua organização — endireitei a coluna e o encarei, com seriedade —, sabia que era para algo muito mais do que um simples trabalho de "segurança" ou de "soldado", como me acostumei a ser ao longo dos anos, mesmo durante meu tempo de serviço no Exército. Vocês fazem muito mais do que isso. O que os faz tão diferente da X-Factor, ao meu ver, é que não utilizam artimanhas e métodos sujos como manipulações e esquemas nefastos para alimentar a ganância do governo. Não estou aqui para servir como uma arma. Estou para defender todos aqueles que portam o gene X, custe o que custar. Doa a quem doer.